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A IN-TENSA INVENTIVIDADE INCONTROLÁVEL DE SANTIAGO NAUD

                               por Antonio Miranda

 

In: NAUD, José Santiago.  Cara de cão.  Prólogo por Loryel Rocha & Lúcia Helena Alves de Sá.  Prefácio por Antonio Miranda. Rio de Janeiro (RJ): Instituto Mukharaji Edições,      2018.  727 p.  15x21 cm.  ISBN  978-85-54264-02-4  

               

“Poesia se faz com palavras e não com ideias.”
MALLARMÉ

                   “Se alguém contestar que isto é puro jogo de
palavras, é preciso dizer que jogar com as
palavras nos ensina a jogar com o mundo, a
descobrir o lado lúdico da vida.”
GILBERTO MENDONÇA TELES  


                  “Que se pode saber? Ah/ já é muito saber/ que não se sabe nada (…)” confessa Santiago Naud em uma expressiva passagem de seu Cara de Cão, concebido e escrito entre 1971 e 1983 e conservado inédito durante quase quatro décadas. Uma obra monumental, ditirâmbica e compulsiva, vigorosa. Palavra-puxa-palavra, ideia desencadeando ideias numa expressão entre onírica e metafórica, acerto de contas com a fantasia e a reflexão mais madura e crítica da existência de poeta.


Poiesofia. A poesia de Santiago, em seu ponto de reflexão e amadurecimento, volta-se para si mesma, metapoeticamente, expressando sua “aparência e essência” em que “brincam gloriosamente, no jogo, em fatias,/ a viagem cose a paisagem/ e, no fim,/ depois de tantos avanços/ com algum retrocesso, nos reúne/ a espiral do fim e do princípio” (NAUD, VII, versos 86-94).  De que jogo o autor infere tal assertiva? Certamente de Mallarmé. O texto poético é orquestrado na página em branco, numa diagramação pretensamente significante: as palavras diagramadas no espaço, conforme os preceitos de Kandinski, do “Ponto e linha sobre o plano”, que faz parte da formação de Santiago e de toda a nossa geração. Incitando o leitor a uma reconhecibilidade e identificação com os textos, ou seja, induz à interpretação proposta por Humberto Eco: da sensação à razão, no diálogo entre autor-leitor, sendo o autor seu primeiro leitor. Que é, na leitura, um reconhecimento, pela tríade semiótica peirceana do “signo-ente-interpretante”:

                            “Jogo! “Saías então do jogo/ ou continuas jogando,/
os dados esses/ não deixarão de existir,/ tampouco
o azar abolir-se/ no jogo que vai sem ti.”

SANTIAGO NAUD, VII, versos 116-122

 

         À primeira vista, os textos de Santiago Naud parecem ser “apenas” lógico-discursivos, frasais. Engano do leitor. Certo que existe uma discursividade, aparentemente linear, explícita mas questionadora, numa indução analítica.  Em verdade, o autor rompe com a linearidade pelo recurso de fragmentar o discurso mediante versos em linhas curtas, sucessivas, criando pausas para a pretensa leitura em fragmentos textuais. E recorre a uma melopeia de confrontos verbais, ás vezes significantes, outras vezes desconcertantes:

 

inunda/ unindo”; “de mim, o fim”; compacto, impacto”; “canto/ tanto”; “figuras/ trituras”; “ventura e aventura”; “arisco/ arrisca”, de surpreendente expressividade. Em seu contexto de definição de intenção:
onde morte e ação / em si se enredam.
Dono ou cão, na perdiz lombada
antecipam o prato/ de quanto flui,
ou dilui/ e não podes deter”. 

 

         Obriga-nos às pausas no processo de leitura. Ou seja: “o indiferenciado diferente/ entre minha prosa e poesia” (VIII- 18-20),  porque “a palavra não pode ficar prisioneira das letras”(VII – 37-38).  Ou seja, “este ser tu/ fora de ti”.  (VII- 85-86)/ Uma arquitextura de deslocamentos e reencontros com a linearidade do texto…
O texto leva ao significado, recorrendo à tese de Domingos Carvalho da Silva, para quem a poesia “só” existe na escritura, mas Santiago demonstrando-nos que vai além, ao conceito mallarmaico do poema tipográfico  “Un coup de dés jamais n’abolira le hasard” (Mallarmé, 1897),  elementos de “inscrição” não prosaicos de Ezra Pound: a melopeia  (o ritmo indutor do texto, sua melodia que vai do significante das palavras à mais pura onomatopeia, se for o caso); a fanopéia  com que o poeta recorre às imagens “reconhecíveis” pelo leitor, mas a partir de sua experiência e capacidade interpretativa; e a logopéia em que esgrima ideias e recursos metonímicos para liberar o “discurso” poético, conjugando-o com o universo plural, social, coletivo, por outras “individualidades”. Obra pretensamente aberta, sentido que o próprio Humberto Eco reviu e atualizou em ensaios posteriores, invocando o texto múltiplo, expansivo, e sua intelegibilidade dependente tanto da criatividade do poeta, pela poiesis, quanto valendo-se dos limites interpretativos de seu público. Ou, como pretende Santiago Naud, “o reconto de todas as Bíblias” numa polifonia coral.

         A obra de Santiago Naud é uma revisão de sua visão de mundo, questionando sua própria paideia, os autores que alicerçam sua inteligência do mundo, do físico ao metafísico, mas sobretudo do inesgotável mundo do “conhecimento objetivo”, registrado, o Mundo 3 de Karl R. Popper, em que os registros verbivocovisuais agora são animaverbivocovisuais, ou seja, pela leitura de registros textuais, sonoros e imagéticos criados e compartilhados pela ânima, tanto pela criatividade (alma) na composição quanto valendo-se de recursos tecnológicos (animação) desde a caligrafia, passando pela tipografia quanto digitalizados. Pelos recursos da comunicação extensiva, ou seja, pelas tecnologias hipertextuais, interativas e multivocais do nosso século. Santiago Naud registrou seu texto valendo-se de uma máquina de escrever, mas sua criatividade já estava no futuro, numa composição ideogramática.

         Devemos lembrar que a poesia, repetindo a teoria de Morin, vive no futuro, numa complexidade interdisciplinar, transcendente, integradora de sentidos. Nos termos de Santiago Naud, trata-se de arar “os pontos do jogo/ em que tua lógica é aval/ de todo o seu absurdo/ infenso à vontade.” (NAUD, versos 129-132).
Santiago Naud viveu e continua vivendo numa época de “ismos”, de manifestos. Entre 1971 e 1983, durante a criação de Cara de Cão, já dispunha de toda uma trajetória coletiva de criações e questionamentos literários, contra os excessos do “sonetococcus” (apelidado pelo modernista de 1922 Menotti del Picchia) dos parnasianos; pela reação reconstrutora da Geração 45, que não chegou a uma hegemonia  estilística por causa da diversidade estética de seus cultivadores; pelos concretistas, neoconcretistas e poegoespacialistas que geometrizaram o poema; a “poesia práxis” de exacerbação verbal dos seguidores de Mario Chamie, até o “poema-processo” de Vlademir Dias-Pino que chegou a alijar a palavra da criação poética. Sem desprezarmos a ação combativa dos poetas engajados politicamente do Violão de Rua nos poemas de protesto, até o coloquialismo dos poetas “marginais” que deram seguimento às contestações de 1968 que começaram em Paris, expandiram-se no rock’n’roll da California,  em paráfrases de Herbert Marcuse e inseminou a nossa bossa nova e os poetas que subiram ou descerem as favelas do Rio de Janeiro. Sem deixarmos de mencionar a metapoesia e a concisão e substantivação poética do singular João Cabral de Melo Neto. Este é o cenário em que Santiago Naud forjou-se e superou em sua expressão poética. Mas a diversidade criativa daquelas gerações não impediu a continuidade de vertentes no campo do cordel, das letras de música, nos versos apocalípticos e de contracultura de um Piva, nos protestos de Geraldo Vandré e nos haicais tropicalizados de Leminski, etc. Etc.

 

         “a vida/ desenfreada, posta/ para além, no centro de ti.”
(NAUD, versos VII – 791-793)

 

         Ou seja: “Tudo o que fazes,/ como um destino. Compulsão/ do fazer, não deixando de ser feito/ quanto podia deixar-se de fazer.” (NAUD, 48-52). Farto e bem-feito para refazer sempre. E desabafa, autocriticamente: “allanpoemente”(651); “isto me derruba a certeza/ sacudindo-me os pilares da razão.” (145-146). Indaga mais contundentemente: “Qual seria a verdade/ neste sonho que sonho, feito/ dos pedaços que vivi? Real, a chama que acendo? Irreal/ o que ela acende em mim?” E em nós todos, seus leitores.  Finalizando, ou reabrindo a discussão: “A aparência do que escrevo/ esconde a substância do que digo” (569-570).

         Multifacético, Santiago revela: “ultrapasso/ os limites do antigo,/ no limite que digo/ (prisioneiro de mim) não conhecer”  (III – 280). Até mesmo “porque nunca está computado na memória/ em termos de verdade/ qualquer determinismo.” (II. 448-450).

         A criação de Cara de Cão, é um pós-tudo, x-tudo, antes de tudo. Santiago Naud parte de sua experiência tipográfica para uma dimensão hibridizante, representativa de nossa extraordinária diversidade criativa, cultural, projetando-se na nossa pós-modernidade. Em versão atual, pelos recursos tecnológicos disponíveis — podemos e devemos trazer o Cara de Cão para uma versão tipográfica e desdobrá-la num e-book e pelas redes sociais, pelos recursos disponíveis na era da hipermodernidade. Os seus textos vão ser interpretados com a devida distância histórica, nesta etapa em que não cabem mais os manifestos facciosos nem os guetos fanáticos dos “ismos”, neste tempo de “inteligência aumentada, artificial”, ou seja, com os crivos dos valores em transe e em trânsito… Pela sua representatividade e para uma (re)leitura de nossos tempos passados, presentes e futuros.  Valha o juízo do poeta, concluindo:

 

         “ Como explicar tudo
além do ladrar do cão, do crocitar do corvo. Digo
o que soa, e jamais pode como um fruto
abrir todo o demais. Mas digo: abrir, abril,
e um pouco as coisas morrem brotando o seu sentido
.”
(DOS NOMES: 75-79).

***

 


 

 

 
 
 
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